terça-feira, 24 de agosto de 2010

Gênero: feminino - Classe social: baixa

    Ontem trabalhamos em aula com um texto que mexeu com cada centímetro de meu corpo e minha consciência. Afinal, quando falamos de amor e de paixão, de convívio familiar, de relações de gênero, tudo é muito subjetivo e emocional. É tão difícil me imaginar lidando profissionalmente com todas estas questões... É como se na hora da atuação profissional, quando eu me deparasse com uma criança violentada sexualmente ou com uma mulher que acabou de ser agredida, minha reação fosse a de entrar em desespero, começar a chorar aos prantos e ir correndo me refugiar no banheiro, mais ou menos como fiz em aula. Tudo bem, sei que é um "baita fiasco", mas como não se emocionar com certas falas, certas realidades, certas situações? Com certeza o tempo, o conhecimento e a práxis profissional vão me dar embasamento para lidar com estas situações mas, para não me emocionar só se eu fosse um robô ou uma psicótica insensível. Complicado.
    Emociona a trajetória de vida dessas mulheres. Desde criança, nunca tiveram tempo para aproveitar a vida, brincar, estudar; sempre tinham que trabalhar e auxiliar nos afazeres domésticos. As poucas que tiveram contato com os pais relatam "a ausência de diálogo, a rudeza de olhares e gestos, acompanhada por xingamentos e agressões físicas". Muitas vezes esses homens pela imposição de serem os "chefes de família" e não conseguindo atender a esta condição, encontram nas bebidas alcoólicas o alívio temporário para suas frustrações.
    Em meio a diversas necessidades financeiras, muitas vezes carência de elementos básicos para a sobrevivência, muitas destas meninas acabam indo morar em casas de outras famílias, onde trabalham cuidando das crianças pequenas e da casa em troca da moradia e da alimentação (ou seja, se tornam como que escravas, trabalhando sem receber salário e muitas vezes sem liberdade para deixarem o "emprego"). Obviamente, não recebem o amor e o carinho que teriam em sua própria família; acabam sendo jogadas de um lado para outro.
   Neste contexto, "o casamento é idealizado como via de libertação, por meio do qual cuidarão da sua casa, do seu homem e dos seus filhos, e não da casa ou filhos de outros. O homem, portanto, torna-se fonte de segurança, suporte, prêmio, recompensa, esperança de melhoria de vida." No entanto, esta melhoria dificilmente se efetiva, pois na maioria dos casos a violência continua, e a mulher continua sendo submetida e dominada pela figura masculina (passando inclusive a sofrer violência física e/ou psicológica constante).
   Nos casamentos entre a população de baixa renda, a principal motivação não é romântica e o enlace não envolve sentimentos amorosos; "o bom marido é aquele que, com seu trabalho, coloca comida em casa e sacia a fome da família". Devido a sua baixa escolaridade, a maioria destas mulheres dificilmente consegue um emprego com carteira assinada; geralmente são empregos temporários, terceirizados, informais, com baixa renumeração. Por esta situação de dependência financeira, elas dificilmente largam do marido.
   Mesmo nas situações em que o marido não trabalha, e gasta o dinheiro recebido por ela em bebidas, drogas e jogos de azar, a mulher não pede a separação. Isto se deve também ao fator cultural, pois sem a figura do homem, "chefe do lar", a mulher sente-se desprotegida e vulnerável, podendo ser desrespeitada, desvalorizada, especialmente quando ela não tem outros vínculos familiares a não ser o marido e os filhos.
   Em meio a esta realidade, onde dias e anos passam sem trazer sinal de mudança ou libertação, essas mulheres acabam depositando toda a esperança que possuem em seus filhos. Amor, carinho e afeto, que são sentimentos que lhes foram negados durante toda a sua vida, encontram expressão através da maternidade; sendo "os laços que os unem [...] fortalecidos pela fome, pela violência e pelas carências".
   Após lermos relatos desta natureza, segue o questionamento: o que fazer diante desta realidade? Sinceramente, não sei, pois a vivencio dia após dia sem vislumbrar esperança de superação.

O texto utilizado em aula é o de autoria de Márcia Santa Tavares: "Com açúcar e sem afeto: a trajetória de vida amorosa de mulheres das classes populares em Aracaju/SE", publicado na revista Serviço Social & Sociedade n°101, de janeiro/março de 2010.

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